Vou contar um pouco da minha história
Com um recorte eclesial
São reminiscências e lembranças
Sem pretensão de ser original
Apenas vou por no papel
Fatos da vida de um fiel
Em que ser “Católico” foi natural.
Nasci numa família católica
Lá num distante rincão
Meus pais freqüentavam a igreja
E com muita fé e devoção
Meu pai respondia a missa em latim
Pois ele era “Sacristão” e enfim
Rezava na igreja, fazia encomendação.
Meus avôs maternos e paternos
Doaram o terreno prá “Capela”
Que foi construída sobre a divisa
Evitando assim possível querela...
Eram os “Fabriqueiros” da comunidade
Buscavam o Padre na cidade
Para ministrar os sacramentos à clientela.
Com forte tradição portuguesa
De uma religiosidade de devoção
Na década de mil novecentos e cinqüenta
Bem antes do Concílio, então
Missa de tempos em tempos, afinal
Mas o povo tem sua prece dominical:
Era a reza do terço sua principal oração.
Era a reza do terço nos enterros
No Sétimo e Trigésimo dia também.
Servia para consolar a família
E pedir descanso eterno no além
“Capelão” puxava Pai Nosso - Ave Maria
E o povo todo com fé respondia
E não se excluía ninguém.
No início dos anos sessenta
Eu já sabia ler e escrever, em fim
Meu pai começa a me ensinar
A responder a missa em latim
E puxar o terço, ser “resadeiro”
Ele queria fazer seu herdeiro
E foi passando os “macetes” prá mim.
Só que isto durou pouco tempo
E já mudou todo o nosso plano
Hoje posso contar com segurança
Para mim não foi nenhum desengano.
A missa passa a ser em português
E o povo sente que chegou a sua vez
Com o Segundo Concílio do Vaticano.
Lembro-me bem daquele tempo
Pois muita novidade surgia
O padre de frente para o povo
Equipes de canto e de liturgia.
A juventude toda se animava
A comunidade em peso cantava
Só algum mais conservador resistia.
Capela Nossa Senhora de Lourdes
Linha Alta de Cima é a Localidade
Pertencia à paróquia de Cortado
Local bem distante da cidade
Sobradinho era a Área que pertencia
E à diocese de Santa Maria
Tendo à frente Dom Ivo, Bispo de qualidade.
Lá em casa nós não tínhamos Bíblia
Mas tínhamos a “História Sagrada”
E alguns textos de “Devoção Mariana”
Que eram usados pela antiga moçada
Papai nos incentivava a ler
E as coisas da Igreja aprender
Para ter vida digna e honrada.
A primeira Bíblia que tive contato
Foi a que lá na capela se lia
Era a Bíblia completa e capa dura
Aquela editada pela Ave Maria.
O meu primeiro Novo Testamento
O recebi de presente, que fomento!
A comunidade de “Taizè” que distribuía.
Com a morte prematura do papai
Veja como a coisa acontece
Assumo junto com a mãe a família
E a minha responsabilidade já cresce
Iniciamos grupo de jovens, nossa idade
E também as rezas da comunidade
E um novo tempo de Igreja amanhece.
Isto me abriu novos horizontes
Pois participava da vida eclesial
Ia às reuniões lá da Paróquia
E também da Área Pastoral
Na “Escola Paulo VI” em Santa Maria
Muitas novidades eu aprendia
Naquela Escola pra líder e Diaconal.
Participei da preparação de Puebla
Sem ter tão claro na consciência
Foi nas reuniões da Área Pastoral
Que foi feito tal experiência
Ajudamos a elaborar, afinal
O texto do Documento Oficial
Que o Brasil levou prá III Conferência.
Chegou o tempo oportuno
E eu quis voltar a estudar
Procurei os freis franciscanos
Que eram os responsáveis do lugar
Após muita oração, conversa e consulta
Surge mais uma vocação adulta
Para os caminhos de Cristo trilhar.
Foram sete longos anos
De vida de seminário menor
Em escolas Públicas e Particulares
Nas várias cidades do interior
Fui descobrindo um jeito novo
De amar e respeitar mais o povo
Ao ver, ouvir e sentir sua dor.
Aqui já faço uma bonita parada
E acho que a história não engana
Fiz minha definitiva opção de vida
Assumindo a Vida Religiosa Franciscana
Com sua característica de humildade
Sem jamais esquecer a minha localidade:
Do “Povo Humirdi”, da alegria que irmana.
Foi em meados dos anos oitenta
Passo por grande ebulição
Vou morar na Capital do Estado
Com toda aquela agitação
Poder estudar na Universidade...
Quando então vejo falar de verdade
Em Filosofia e Teologia da Libertação.
Contato com o mundo universitário
Abrindo para um pensamento mundial
Estudando idéias e conceitos dos outros
Querendo ser ao máximo original
Por isso aos fins de semana eu ia
Às comunidades e grupos da periferia
Onde as CEBs eram o Modelo Eclesial.
Com um olho nas bibliotecas
E o outro na nossa realidade
Eu fui criando consciência
Da como é a vida em Sociedade
Logo percebi que existia
O mundo dos ricos e periferia
Em situação de muita desigualdade.
Aquela situação me incomodava
Por onde posso e devo seguir?
Não é natural, nem vontade de Deus
Tanta dor e sofrimento existir.
Nesta busca não estava isolado
Fui descobrindo muitos aliados
Na luta por um novo porvir.
Comunidades Eclesiais de Base
Como grande ferramenta de Igreja
Que enfrentava a luta diária
Com muitos parceiros na peleja
Com a leitura bíblica do CEBI
O povão começa a assumir
E não só dizer “Assim seja”.
Tem Pastoral da Mulher Pobre
Lutando pela comida diária
Tem a ANAÍ para os índios
E o MST para a Reforma Agrária
Associação de Morador de periferia
E o trabalhador urbano já possuía
A sua Pastoral Operária.
Assim cresce o Movimento
Dos que querem transformação
Aumenta o número de encontros,
Marchas, protestos, ocupação...
Parece uma nova primavera
Os aliados do povo superando querela
Na luta por vida e Libertação.
Nesta caminhada não são só flores
Mas tem muito sofrimento
A classe dominante está viva
E não dá trégua no enfrentamento
Já se fala até em “Abertura”
Mas os resquícios da “Ditadura”
Fazem prisioneiros e espancamentos.
Vou me identificando com o povo
Com sua luta para sobreviver
Aí tem outra espiritualidade
Uma verdadeira mística do crer.
Não é uma piedade alienada
Mas é uma fé viva e encarnada
No enfrentamento de tanto sofrer.
Foi assim que conheci as CEBs
Nos idos dos anos oitenta.
Com seus Encontros Intereclesiais;
É o que mais as representa.
O tempo de pressa vai passando
E a conjuntura também vai mudando
E hoje outra CEB se apresenta.
Já passou Santo Domingo
A Conferência do “não”
A Cúria Romana veio em peso
Foi verdadeira intervenção
Queriam as Comunidades de Base matar
E os nossos teólogos silenciar
Impedindo o processo de Libertação.
Mas o Espírito Santo é bem mais forte
E sopra onde e quando quer.
O trabalho nas bases continuava,
Na maioria liderado por mulher;
Que ignorando a voz dos poderosos
Com mística e projetos audaciosos
Vão tecendo a Igreja que se quer.
É uma Igreja Povo de Deus
Com a mística da Diaconia
Organizada em pequenas comunidades
Onde a Palavra de Deus alumia
E o “Sacerdócio Comum dos Fiéis”
Recoloca a relação e os papéis
Entre Povo Fiel e Hierarquia.
Não é a inversão da pirâmide
Nem mesmo a luta pelo poder
É o Novo/antigo jeito de ser Igreja
Que não deveria ter deixado de ser
Onde os membros são todos irmãos
E os “Serviços” não geram exclusão,
Mas facilita a todos seu bem viver.
Já tivemos a nossa Constituinte
E eleição prá Presidente
Perdemos os primeiros embates
Mas nosso Povo é persistente
Elegemos um Governo Popular
A vida do Povão começa a mudar
Mas não nos damos por contente.
Passou a Virada do Milênio
Com muita manchete e fantasia
Porém uma coisa boa sobrou
Que é a questão da Ecologia.
Com o novo milênio a certeza
Que os recursos da Natureza
Estão mais escassos a cada dia.
Houve a “Rio Noventa e Dois”
E também a “Rio Mais Vinte”.
Estamos todos no mesmo barco
E não somos meros ouvintes.
O Capitalismo selvagem continua
Com ganância e uma violência crua
Destrói e mata com crueldade e requinte.
Não falo só de desgraças
Mas também de esperança e vida
A Igreja na América Latina
A todo o Povo Convida
Para superar a miséria e a exclusão
E temos um instrumento nas mãos
Que é o “Documento de Aparecida”.
E por falar em Aparecida
Aí temos uma grande novidade
A Igreja toda é convidada a se voltar
Para a vida em Comunidade.
As Comunidades Eclesiais de Base
Hoje estão em nova fase
E são Modelo de Eclesialidade.
E ao falar em Modelo de Igreja
Não pense que é tudo bonito
Pois quando o pobre se apresenta
Já logo surge o preconceito e o conflito.
As CEBs hoje têm Cidadania
Vão rezar e cantar no centro, quem diria?
Algum “burguês” incomodando dá em grito.
Vai de Norte ao Sul do Brasil
É a Igreja que não pode parar
São Comunidades novas surgindo
Em todo e em qualquer lugar
É preciso novas eclesiologias
E também novas teologias
Todas rumo a Juazeiro no Ceará.
Juazeiro do Norte, Dois mil e Quatorze
O grande Encontro Intereclesial
Este que já é o Décimo Terceiro
De todo o território Nacional
Onde o Povo simples das Comunidades
Participa e é Igreja de verdade
Fazendo valer seu “Múnus Batismal”.
Sacerdote, Profeta e Rei
Eis a consagração do Batismo
É a Igreja toda de Irmãos e Irmãs
Sem dominação nem clericalismo
Preocupada com a realidade universal
Buscando uma Ecologia Primordial
Aberta ao diálogo e ao universalismo.
Para que tudo isso aconteça
É necessário coragem e determinação.
Reinventar a leitura da Bíblia
E do nosso “Mito da Criação”
Pois o nosso “Texto Sagrado”
Hoje pode ser visto lado a lado
Ao “Texto Sagrado” de outra Tradição.
Não é preciso perder nossa fé
Nem a originalidade do ser cristão
É só necessária muita humildade
Ao tratarmos do tema da Salvação.
O nosso Deus Poderoso e Fecundo
Manifestou-se em outros povos do mundo
Que somos desafiados a tratá-los de Irmãos.
E ao encerrar estes meus versos
Não quero um tom tão grave
Gostaria de deixar registrado
Em uma ou duas frases
Viva o CEBI e o Ecumenismo!
E viva o povo e todo o Profetismo
Das Comunidades Eclesiais de Base.
Hulha Negra, 18 de agosto de 2012.
(Contribuição do nosso querido Amigo Frei João Osmar D’Avila)